Por B.K.S Iyengar
Trecho do Yoga Rahasya. Tradução livre de Maurício Frighetto
(Palestra realizada na ocasião dos 100 anos de nascimento do seu Guru, Yogacharya Sriman T. Krishnamachar).
Não é fácil para um pupilo falar sobre seu próprio mestre. O centésimo aniversário de nascimento do Guruji será celebrado e, como um dos seus pupilos, considero um privilégio exercer esta grande função.
O tempo em que vivi com o Guruji foi tão curto que é impossível esboçar seu modo de vida. Eu mal tinha 16 anos quando fui seu estudante – e minha inteligência, naquele momento, não estava desenvolvida para entendê-lo ou saborear sua sabedoria.
Assim como uma moeda tem dois lados, cada pessoa tem duas faces de sua personalidade. É dever do pupilo pegar as vantagens da melhor parte do seu mestre e negligenciar suas deficiências. Tais pupilos sempre vão ficar com seus mestres. Da minha parte, penso que é errado julgar o mestre que age como um amigo, guia e filósofo. Em segundo lugar, é injusto expressar a mente dos outros a partir da própria mente. Assim que se aceita um mestre, a reverência para com ele substitui as deficiências. Em terceiro lugar, Guruji é sem dúvida um presente e uma personalidade talentosa. Só é possível falar sobre ele elevando-se ao seu nível de inteligência com um ininterrupto fluxo de graça do divino.
Guruji é versátil em muitos campos. Além de um yogue, é um mestre nos Vedas, Puranas, Smritis, Shaddarshanas, um especialista em Ayurveda, em Jyotishya, na cozinha e um tocador de Veena. Com tudo isso ao seu comando, seu humor e modos eram muito difíceis de compreender. Consequentemente, nós estávamos sempre alertas em sua presença. Ele era como um mestre Zen na arte de ensinar.
Nascimento do Yogashala
Era o início dos anos 30 do século XX quando Guruji estava palestrando sobre a herança indiana na cidade de Mysore. O Marajá, o falecido Krishnaraja Wadyyar IV, o conheceu e o convidou para uma audiência. O Marajá estava atraído por seu conhecimento e personalidade e se tornou seu estudante com o objetivo de entender as escrituras e o yoga. Logo, o Marajá pediu ao Guruji para ensinar Mimamsa e yoga na Sanskrita Pathashala (escola) of Mysore. Como não deu certo, o Marajá optou por abrir um Yogashala nas instalações do Jagan Mohan Palace of Mysore (que agora é uma galeria de arte) para o benefício da família real.
O Marajá era um grande patrono da arte, música, pintura e yoga. Ele encorajava todos a brilharem em seus campos escolhidos.
Em 1934, eu cheguei ao Yogashala e continuei lá aprendendo até 1936. Antes, meu irmão mais velho esteve com Guruji, mas não prosseguiu na arte, enquanto minha irmã mais nova não podia continuar por lá depois de seu casamento, em 1940.
Embora o Yogashala fosse feito para a família real e para as autoridades do palácio, um número restrito de pessoas de fora eram permitidos por lá para atendê-los.
Guruji tinha alguns assistentes pupilos sênior quando eu cheguei. Eles eram C.M. Bhat, Srinivasarangashar, Ranganatha Desikachar, Narayan Sharma e Pandurang Rao. Sri Pattabhi estava ensinando no Mysore Sanskrita Pathashala. Todos esses membros eram estudantes dedicados, que aprendiam em aulas teóricas conduzidas pelo Guruji. Infelizmente, eu não era um deles.
As classes no Yogashala ensinavam principalmente a perfeição nos asanas ou asanas para a saúde. As classes de asanas eram somente nas noites, entre 5h e 7h, enquanto as classes da manhã, entre 9h e 10h30min, eram destinadas a pessoas enfermas.
No Yogashala costumava ter encontros anuais onde os membros da família real e os cidadãos da cidade eram convidados. Estudantes sênior tinham a chance de mostrar suas habilidades em demonstrações, e os melhores ganhavam prêmios e certificados de mérito. Em 1935, eu também ganhei uma dessas distinções.
Eu deixei Mysore em 1936, quando meu destino foi selado. O fim da minha carreira escolar se tornou a semente para perseguir o yoga como minha carreira para a vida mesmo com meu limitado conhecimento e inexperiência. Eu tive coragem e força para ser um estudante de yoga independente, atuando como artista no palco, praticante e professor.
Leia o outro trecho: