O professor Pedro Pessoa começou a aula de yoga on-line dessa segunda-feira dizendo que, no momento atual, devemos nos esforçar para nadar contra a corrente. Isto é, não podemos nos deixar levar por essa onda de negatividade que paira no ar; por esse fluxo de emoções destrutivas, como o medo, a angústia, a ansiedade, a preocupação excessiva.
Quando ouvi isso, eu me lembrei de um ditado popular gaulês que aprendi recentemente: “Quando todos correrem, fique parado.” Esse era o lema de vida de um reformista inglês do século XX, que lutava por uma ampla transformação da sociedade. De fato, quando estamos no caminho da mudança, seremos, inevitavelmente, uma minoria. Às vezes uma minoria ínfima. Por isso precisamos ser fortes, para conseguirmos nos manter “parados” enquanto todos “correm”.
Seja uma mudança externa – como as tantas lutas por justiça social –, seja uma mudança interna – como nossa busca interior –, ela sempre nos demandará muito esforço e disciplina. Transformar é mudar a ordem vigente, é desfazer hierarquias, é reorganizar tudo o que estiver fora do lugar. E como disse a professora Camila de Lucca na aula dessa terça-feira, “Yoga é trilhar o caminho da transformação”.
Tanto para a transformação da sociedade, quanto para caminharmos em direção à nossa essência, precisamos resistir às forças que tentam, a todo momento, nos arrastar no sentido oposto ao que queremos ir. Aquele mesmo reformista inglês também tinha outra fonte de inspiração, uma frase dita certa vez por um dramaturgo norueguês: “O homem mais forte do mundo é aquele que resiste sozinho.” Ele não se referia a estar literalmente sozinho. Mas novamente ao fato de ser uma minoria.
Quando incorporamos a prática de yoga em nossas vidas e começamos a sentir os inúmeros benefícios que esta nos traz, ganhamos força para enfrentar as adversidades que o mundo exterior nos apresenta. Mas, muitas vezes, também nos sentimos frustrados ao constatarmos que a realidade é tão diferente – e tão pior – do que gostaríamos que fosse. É tão claro para nós “qual é o caminho a seguir”, que essa profusão de negatividades se torna quase incompreensível.
Entretanto, como disse Pedro, exatamente por isso devemos estar atentos para não nos deixarmos levar pela multidão. Toda e qualquer mudança começa com uma minoria – inclusive a “minoria” que existe dentro de nós mesmos, que luta contra as muitas “vozes” internas que nos afastam de nossos objetivos. A prática de asanas fortalece nosso corpo, fortalece nossa mente, nos ensina a resistir. Por isso tem que ser diária, constante. Estamos vivendo um momento histórico, social e político extremamente difícil, talvez um dos piores vividos pelas gerações que não enfrentaram ditaduras ou guerras mundiais. Se não nos voltarmos para dentro, para a verdade que reside em cada um de nós, em que nos apoiaremos?
A yoga, como outros caminhos de busca interior, nos ensina a ver o mundo e as pessoas ao nosso redor com mais amor, mais compaixão. Isso não significa que vamos simplesmente “aceitar” as atrocidades que os jornais noticiam diariamente, as decisões absurdas tomadas por nossos políticos, as tantas vidas negligenciadas. Significa simplesmente que, apesar de tudo isso, nós seguimos fortes, serenos, em nosso eixo. Se todos praticassem yoga, certamente o mundo seria muito melhor. Mas como essa não é a realidade, devemos nós mesmos resistir, seguir praticando. Afinal, não existe harmonia externa enquanto não houver harmonia interna.
O reformista inglês chamava-se Donald Watson e foi a pessoa que, em 1944, criou o termo vegan. Na época, ele integrava uma sociedade vegetariana e propôs que o movimento pelos direitos animais promovesse também a abolição do consumo de laticínios e outros derivados de animais. A ideia não foi bem-vinda, ele estava sozinho. Mas, como acreditava na sua luta, convidou amigos com ideias afins para formarem a primeira sociedade vegana no mundo, que começou com apenas 25 membros. Watson morreu em 2005, quando tinha já 95 anos. Em uma entrevista pouco antes de sua partida, disse estar imensamente feliz e ao mesmo tempo surpreso com a proporção que o movimento vegano ganhou. Sua experiência nos mostra que, mesmo quando tudo ao nosso redor parece fluir na direção oposta, devemos persistir.
Os problemas do mundo e nossos problemas pessoais obviamente nos preocupam. Mas eles só serão superados se não nos deixarmos dominar por essa preocupação. E isso é possível quando nos voltamos para dentro. Quando praticamos yoga, desenvolvemos a capacidade de distinguir o que são nossas emoções do que é nossa essência, nosso ser. As emoções são inconstantes, fluem verozmente em todas as direções. Se nos agarrarmos a elas não caminharemos em direção nenhuma, ficaremos apenas desnorteados, tristes, confusos. Entretanto, quando conseguimos direcioná-las, conseguimos também agir e trilhar o caminho da transformação. E nesse caminho, agregamos outras pessoas. E cada vez mais pessoas. A partir da transformação interna de cada um, a transformação externa, de toda a coletividade, virá naturalmente, espontaneamente. E essa será nossa nova realidade, nosso novo mundo. Um mundo que começou dentro de cada um de nós. E começou apenas porque resistimos, porque nadamos contra a corrente.
Texto: Daniela Caniçali