Tempos de quarentena são tempos de recolhimento. O ato de recolher-se, entretanto, é bastante diferente do ato de encolher-se, de espremer-se e ficar menor. O recolhimento significa dirigir nossos sentidos para dentro e, dessa forma, expandir nosso mundo interno. Durante uma de nossas aulas de yoga online, o professor Pedro Pessoa contou-nos uma história para compreendermos melhor esse movimento de recolhimento.
Há muitos e muitos anos, Indra, o rei dos deuses, convidou o Senhor Shiva para visitar seu reino. Para tornar o momento especial, o monarca convocou todas as criaturas de todos os mundos para mostrarem suas artes ao Deus do yoga. Honradas, elas se prepararam com entusiasmo e seguiram para o reino.
Quando Shiva chegou, começaram as festividades no castelo. O Deus ficou admirado com as lindas apresentações de danças, músicas, poemas. Após o fim dos espetáculos, quando todos ainda estavam reunidos, ouviram passos lentos. Ao olharem para o centro do salão, viram uma tartaruga caminhando lentamente. Houve um grande burburinho, com risadinhas e cochichos: “Olha só quem está chegando agora!”; “Está chegando tarde!”; “Está atrasada, diz pra ela que o show acabou.”
A tartaruga seguiu caminhando até chegar a Indra. “Ó senhor, sei que estou atrasada, mesmo assim gostaria de mostrar minha arte ao Deus Shiva.” O rei concedeu o pedido, mas os artistas sentiram-se ofendidos e partiram para atacar o animal. Rapidamente, a tartaruga recolheu sua cabeça e seus membros para dentro do casco a fim de se defender.
Shiva então se aproximou da tartaruga. Estava maravilhado com sua capacidade para recolher os sentidos e dominar a mente. “A partir de hoje”, disse o Deus, “você estará sempre à minha frente.” Desde então a tartaruga passou a fazer parte do templo de Shiva.
Assim como a tartaruga, estamos a todo momento sendo atacados, bombardeados pelas coisas do mundo externo. “Nossos sentidos estão constantemente querendo ir para fora. Mas, no yoga, aprendemos que eles precisam ir para dentro e habitar esse mundo interno”, explicou Pedro.
Esse movimento em direção ao nosso interior, no entanto, não pode ser acompanhado de um encolhimento: “Ao encolher-se, você perde o poder de recolher-se. Quanto mais você se recolhe de forma atenta, sem se encolher, mais você percebe que é possível se expandir internamente. E apenas quando começamos a habitar este interior é que o senhor Shiva começa a se aproximar de nós. Sentimos então uma presença neste ato de recolhimento.”
Texto: Maurício Frighetto.
Revisão: Daniela Caniçali.
Foto: Luiz Frota.