Durante as aulas de yoga on-line do mês de maio, os professores Camila de Lucca e Pedro Pessoa trabalharam com a importância de dissolvermos o ego. Para conquistarmos isso, precisamos, primeiro, desenvolver nossa sensibilidade: a capacidade de nos sentirmos e nos colocarmos no lugar dos outros.
Com a sensibilidade aguçada pela prática de asanas, a última semana do mês foi dedicada à arte dos pranayamas. Ao mesmo tempo, fomos acompanhados pela história de um rei insensível, cujas aventuras trouxeram-nos vários ensinamentos.
O macaco de olhos brilhantes, que havia resgatado o rei insensível que caíra em um precipício, tentava ensinar ao soberano as duas leis do Rei Karma: “você colhe aquilo que planta” e a “lei do efeito dominó”.
Em certo momento, o macaco revelou o que realmente tinha acontecido ao rei: enquanto o rei insensível estava em cima da árvore, mirando sua flecha no coração da corsa que amamentava o filhote, o Rei Karma pediu ao macaco que balançasse a árvore e derrubasse o soberano no precipício. Quando ouviu isso, o rei disse, furioso: “Quer dizer que vocês estavam tentando me matar?”. “Não, não”, respondeu o macaco. “O Rei Karma, olhando para os desdobramentos que aquele ato assassino iria causar no reino, queria que você passasse por algum sofrimento. Se você matasse a corsa, nós sabíamos de antemão que o seu povo, o seu reino e você mesmo seriam destruídos.”
O macaco continuou: “Vou repetir o que já disse. Pela lei do rei Karma, todos os seres estão inexoravelmente ligados entre si. A compreensão disso nos traz uma imensa responsabilidade. Na verdade, ó rei insensível, todos estes anos você se colocou à parte. Você não consegue se colocar na pele dos outros. Isto é extremamente perigoso, sobretudo para um rei. E é isso o que você vai aprender agora.”
Neste instante, o macaco inspirou profundamente e, então, soprou com toda a força dos pulmões no rosto do rei insensível, que ficou tonto, cambaleou e caiu em uma profunda escuridão, perdendo seus sentidos.
Quando voltou a si, o rei insensível percebeu, desesperado, que se transformara em um boi. Não tinha como falar e nem se expressar. Pertencia a um dono cruel que impetuosamente o fazia trabalhar puxando um arado o dia todo. Seu dono o alimentava mal e o obrigada, ao final do dia, exausto de tanto trabalhar, a ir ao pasto se alimentar das ervas que as ovelhas e as cabras já haviam desprezado. E assim se sucederam os monótonos dias do infeliz bovino. Muito trabalho, muito sofrimento e, o que é pior, o completo desprezo do dono.
Até que ponto agradecemos o que temos? – questionou a professora Camila de Lucca em uma aula. “Neste momento, tenha este sentimento de agradecimento por este corpo que trabalha dia e noite, com o coração batendo, o sangue fluindo, o fígado funcionando, assim como suas glândulas. Você, como amo deste corpo, dê esta atenção, este carinho a ele. Agradeça por ter este suporte que é o seu corpo. Através deste trabalho no corpo podemos transformar o nosso ego, iniciar este rei insensível para que amadureça”. A história prossegue.
Os anos se passaram e o boi envelheceu e só lhe restava a capacidade de sonhar. O boi imaginava uma aposentadoria tranquila, onde pudesse pastar livremente. Ele esperava ansioso que houvesse um mínimo de sentimento no coração do amo e que reconhecesse os longos serviços prestados.
Um dia, no entanto, o sangue do boi quase congelou. Um açougueiro veio apalpá-lo para ver se sua carne ainda estava boa. Quando viu o açougueiro acertando seu preço com o dono, ele desmaiou.
Então, quando acordou, o rei insensível se viu novamente no meio da floresta, o macaco o olhava com um sorriso com uma mistura de bondade e malícia.
Neste instante, o rei insensível deu um pulo e começou a cantar e dançar de alegria, por ser ele de novo. Ele ria e bailava como se fosse o rei da floresta. Após extravasar sua alegria, o rei disse: “Obrigado, amigo e protetor, por livrar-me de mim mesmo. Obrigado por despertar-me do pesadelo do egocentrismo. Obrigado por me devolver este sentimento genuíno de que a vida vale a pena de ser vivida.”
O rei continuou. “Dentro do meu peito, no lugar do meu coração, havia uma rocha insensível a tudo e a todos. Mas agora creio que me tornei humano. Enquanto era boi e levava aquela vida miserável, dei-me conta de mais uma lei do Rei Karma: não existe destino, existe consequência. Tudo o que nos acontece de bem e de mal é consequência dos nossos atos prévios nesta vida.
Os pranayamas são como aquele sopro do macaco, que podem nos transformar. “É uma arte que revela nossa verdadeira natureza”, disse o professor Pedro. “É a arte que transforma a rigidez deste rei insensível, neste rei que desperta, que reconhece, que aprendeu a se colocar na pele dos outros. Um rei que se aproximou da sua essência, que se transformou em um rei caloroso, atencioso.”
O rei, extasiado com a nova compreensão, seguiu: “Enquanto eu era boi, e o açougueiro pagou o preço para me abater, segundos antes de desmaiar, acredito ter ouvido o Rei Karma soprando no meu ouvido: “A semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória.” Naquele instante o rei entendeu que todos nós somos prisioneiros das leis deste universo, mas temos uma escolha livre no princípio de cada gesto, de cada ato. E isso é o que nos torna seres capazes de escolha. Isso que nos dá a verdadeira grandeza de sermos humanos.
Então o rei, se recolhendo cuidadosamente, pergunta humildemente para o macaco: “Será que ainda dá para corrigir uma vida inteira de erros?” O macaco olha profundamente nos olhos do rei, diz: “Para quem desperta, tudo é possível.”
O rei e o macaco caminharam juntos até o fim da floresta, na direção do palácio real. Ali se separaram, e o macaco foi cumprir novas tarefas ditadas pelo rei karma. E o rei, que se libertou de si mesmo, voltou para o palácio para tentar transformá-lo no paraíso terrestre.
Passados muitos anos, ninguém entendia porque o brasão daquele rei tinha como emblema um macaco, tendo à sua direita um boi e, à sua esquerda a figura de um rei.