É praticamente um lugar comum dizer que o ego impede nossa evolução espiritual. Mas como podemos superar este obstáculo e avançar no autoconhecimento? Com a prática do yoga, temos a oportunidade de desenvolver nossa sensibilidade, passar a ver com clareza o mundo ao nosso redor e, assim, nos libertar destas grades invisíveis impostas pelo ego.
Estes ensinamentos têm sido a base das aulas de yoga on-line destas semanas com os professores Pedro Pessoa e Camila de Lucca. Para compreendermos melhor o que é o ego e como podemos dissolvê-lo, eles contaram uma história extraordinária:
Era uma vez um rei, tão egoísta que era chamado de “Rei Insensível”. “Tudo para mim, nada para os outros” era seu lema. Ele explorava os súditos com impostos altíssimos, e fazia tudo para o seu bel-prazer. Além da busca incessante de mais poder, o soberano tinha uma uma única grande paixão: a caça.
Certo dia, em uma de suas caçadas, o rei insensível viu uma corça – um animal parecido com um veado. Para poder observá-la melhor, ele subiu no alto de uma enorme árvore, que ficava à beira de um precipício. Lá do alto, notou que a corça amamentava um filhote. Sem se comover nem um pouco com a cena de uma mãe que amamenta o seu filhote, ele armou o seu arco e mirou bem no coração da corça.
Em uma das aulas, Pedro usou esta cena para discutir a importância de desenvolver a sensibilidade. “No momento em que começamos a sentir a nossa própria existência, quando começamos a nos colocar na nossa própria pele, é o início do trabalho sobre a sensibilidade. Quando nós começamos a alimentar nossa atenção, como a corça que alimenta seu bebê, o ego não quer perder seu domínio, sua posse. Então, do alto de sua insensibilidade, ele quer matar, cortar, obstruir. Esse que gosta de caçar e que não consegue enxergar esse momento sublime onde nós nos alimentamos é esse rei insensível, é o nosso ego.” A história segue.
Do alto da árvore, o rei insensível mirou no coração da corça e, quando estava a ponto de soltar a flecha, misteriosamente, sem que um vento a soprasse, a árvore começou a balançar fortemente – e o rei caiu do alto da árvore em um rio caudaloso que corria embaixo do precipício.
Neste momento, o rei insensível pensou que teve sorte por estar a salvo nas águas do rio. Mas logo percebeu que a corrente o levava em direção à uma grande cachoeira de mais de 100 metros. Com esforço, conseguiu nadar até uma das margens. Tentou então escalar as paredes do precipício, mas elas eram muito íngremes e com rochas cortantes. Ficou desesperado. Passou um, dois, três dias, e o rei continuava lá, cada dia mais debilitado, sem saber o que fazer. Estava cada vez mais fraco, com frio e fome. No quarto dia, quando estava prestes a se entregar, então, ouviu uma voz lá de cima: “Ei, tem alguém aí?”.
Neste momento, o rei recobrou o ânimo e a energia. “Sim, estou aqui em baixo, sou o rei deste lugar! Salve-me!” A voz sumiu até que, de repente, ele a ouviu mais perto. “Eu vou te ajudar.” Quando o soberano conseguiu enxergar quem viera lhe ajudar, quase morreu de susto. Mas estava tão cansado e sem esperança, sem saber se aquilo era um sonho ou devaneio, que se entregou. Era um macaco gigante de olhos brilhantes, que o agarrou pelas costas e subiu a penosa escalada.
Ao chegar lá em cima, a salvo, um estranho sentimento começou a brotar no rei, um sentimento novo, de agradecimento.
Se o rei representa nosso ego, a queda da árvore é a queda do ego, explicou a professora Camila. “Ao longo da nossa vida, nos momentos em que passamos mais apuro, mais perigo, temos a oportunidade de acordar deste sono, deste estado adormecido. Nestes períodos, observamos o tempo passar em uma velocidade diferente, as impressões que temos são diferentes. São momentos muito preciosos, porque eles mostram um novo estado de consciência. Quando o ego não está atuando em nós, podemos chegar nesse estado de agradecimento, de serenidade da mente, que só é possível com essa queda do ego.”
Quando estávamos em savasana, Camila disse que a ao praticarmos yoga nós criamos essa situação para a queda do ego. “Queremos a queda do nosso ego. Savasana, a postura do morto, é quando esse ego mergulha neste rio. Relaxa completamente todo o corpo, deixa todos os músculos fluirem como água para serem absorvidos pela terra, deixa o corpo se dissolver na terra. Sente, neste momento, que você se dissolve, que você se torna um com tudo e todas as coisas. Essa ideia de que estamos separados, que somos um indivíduo separado do resto é uma ideia construída pelo nosso ego. No fundo, somos todos um.”
Texto Maurício Frighetto
Edição Daniela Caniçali
Foto Luiz Frota
A yoga como um meio para dissolver o ego (parte 2)
A yoga como um meio para dissolver o ego (parte 3)