Por B.K.S Iyengar
Artigo da revista Yoga Rahasya, que reúne textos publicados entre 1994 e 1996.
Diz-se que certa vez o Senhor Vishnu estava sentado sobre Adisesa (o Senhor das Serpentes), o seu sofá. Ele estava assistindo à encantadora tandava nrtya (dança) do Senhor Shiva. O Senhor Vishnu estava tão absorvido nos movimentos da dança que Seu corpo começou a vibrar no ritmo do Senhor Shiva. A vibração fez seu corpo ficar cada vez mais pesado, e Adisesa passou a se sentir desconfortável. Ofegante para respirar, Adisesa estava a ponto de colapsar. O corpo do Senhor Vishnu se tornou leve novamente assim que a dança terminou.
Espantado, Adisesa perguntou ao mestre qual fora a causa dessas surpreendentes mudanças. O Senhor Vishnu explicou que a graça, a beleza, a majestade e a grandeza do Senhor Shiva criara uma vibração graciosa em seu próprio corpo. Maravilhado, Adisesa professou o desejo de aprender aquela dança para exaltar o seu senhor.
Vishnu ficou pensativo e previu que logo o Senhor Shiva concederia a graça a Adisesa, para que escrevesse um comentário sobre gramática ̶ e naquele tempo ele também poderia se dedicar ao aperfeiçoamento da arte da dança (nrtya). Adisesa estava radiante com essas palavras e ansiava pela graça do Senhor Shiva para descer sobre ele e empreender o trabalho de escrever a gramática.
Adisesa então começou a meditar para verificar quem seria sua futura mãe. Na meditação, ele visualizou a aparição de uma yogini e tapasvini (uma mulher adepta ao yoga e ascética) chamada Gonika. Ela rezava por um filho digno (suputra: su = digno; putra = filho), a quem poderia transmitir seu conhecimento e sabedoria. Ele percebeu que ela poderia ser uma mãe digna para ele e esperou por um momento auspicioso para se tornar seu filho.
Gonika, pensando que sua vida terrena estava chegando ao fim, procurava por um filho digno a quem ela poderia transmitir seu conhecimento. Mas não encontrou nenhum. Quando seu tapas (penitência) tinha chegado ao fim, como um último recurso, ela olhou para o Deus Sol, a testemunha viva de Deus na Terra, e rezou para Ele conceder seu desejo.
Ela pegou um punhado de água com as mãos, como uma oferenda final a Ele, fechou seus olhos e meditou no Sol. Gonika abriu seus olhos e olhou para as palmas de suas mãos, prestes a oferecer a água. Para sua surpresa, viu uma pequena cobra se movendo em suas palmas, que logo assumiu uma forma humana. O pequeno homem prostrou-se diante da yogini Gonika e pediu que ela o aceitasse como filho. Ela o aceitou e deu a ele o nome de Patañjali.
Ele encarregou-se do trabalho sob a autoridade de Shiva. Escreveu o Mahabhasya, a grande gramática, um trabalho clássico para a aquisição do discurso correto e para o cultivo da linguagem correta. Então ele escreveu um livro sobre Ayurveda, a ciência da vida e da saúde. Seu trabalho final foi sobre Yoga, direcionado para a evolução mental e espiritual dos seres humanos. Todos os dançarinos clássicos homenageiam Patañjali como um grande dançarino.
Esses três trabalhos de Patañjali andam de mãos dadas para trabalhar no sentido do desenvolvimento dos seres humanos como um todo ̶ em pensamento, palavra e ação (manasa, vaca e kaya). O tratado do Yoga é chamado de Yogadarsana (visão da alma através do Yoga).
Darsana também significa espelho. Uma vez que o efeito do Yoga é refletir os pensamentos e ações do aspirante como um espelho, isto é chamado darsana. O praticante pode ver e se corrigir após observar os reflexos dos seus pensamentos, mente, consciência e ações do corpo. Este processo o guia na direção da observação do seu próprio eu.
Os trabalhos de Patañjali são seguidos por yogues até os dias de hoje para o desenvolvimento de uma linguagem refinada, corpo saudável e mente civilizada.
* Tradução livre de Maurício Frighetto e Daniela Caniçali. Foto Luiz Frota. Supervisão Camila de Lucca.